- Priscila Carvalho
- Do Rio de Janeiro para BBC News Brasil

Crédito, Felipe Brasil
“A educação salvou minha vida”. É assim que o empresário social e mochileiro Thiago Silva define sua relação com os livros
“A educação salva minha vida”, diz o empreendedor social e mochileiro Thiago Silva, 33 anos, definindo sua relação com os livros.
Filho meu, negro e morador de Junqueiro, em Alagoas, ele conta que tem a sensação de ser invisível.
“Ele tem algumas características sociais de quem não vai vencer na vida. Ele veio de uma situação difícil”, disse à BBC News Brasil.
Também tendo a vida transformada pelos livros, ou Alagoano enfatiza que nunca gostei muito de ler e tenho dificuldade em me contentar com conteúdos pedagógicos.
Durante o ensino fundamental, seu professor foi “punido” para ser monitor de biblioteca e foi lá que ele começou a ler sua primeira obra. Desde então, não parou mais.
Depois de se formar em Gestão de Recursos Humanos, fez especialização em Psicopedagogia e foi aprovado em concurso dos Correios para trabalhar como carteiro. Porém, a profissão não era a que ele mais gostava, e sua vontade de ajudar as crianças por meio da leitura era ainda maior.
Enquanto trabalhava, tentava fazer horas extras para conseguir trabalho e poder viajar para o Brasil. Sua intuição era “mochilar” pelo Nordeste, mais que um jeito diferente.
“Combinei com meu chef, e ele entendeu um pouco o meu propósito. Achei que poderia começar a viajar pelo Brasil distribuindo livros para crianças e adolescentes. Como o interior do país tem uma limitação geográfica e temos uma deficiência muito grande de acesso aos livros”, destaca.
Em 2013, seu trabalho voluntário começou em Alagoas, onde mora, e seguiu para os estados vizinhos de Sergipe, Bahia e Pernambuco. Por causa das viagens e distribuição, o ganho é chamado de “mochileiro pela educação”.
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Oficina de Leitura Infantil em Massagueira, Marechal Deodoro (AL)
eu como muito
Como tem estabilidade financeira e gastos acumulados, Thiago conseguiu viajar em determinados dias, e começou a colocar seu avião em prática.
Para ver no que poderia ajudar, entrei em contato com escolas, ONGs e busquei cidades com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). “Liguei a bateria na porta das escolas, mandei e-mail, entrei pelas redes sociais e fiz contato”, conta.
O intuito era promover a transformação social por meio da literatura e proporcionar o acesso a livros para crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade. No entanto, conseguir livros e material para as doações foi trabalhoso.
Eu estava atrás de feiras literárias e tentava conseguir o máximo de livros possível. Muitas vezes, quando recebia livros de presente, eram materiais velhos e de pouca utilidade. “As pessoas recebiam muitos livros grosseiros, livros debochados, e era uma bagunça. As pessoas queriam dois livros liberados”, disse ele.
Quando não recebia de graça, comprava algumas publicações de sua própria bolsa. Agora, para evitar qualquer tipo de material em péssimo estado, preencha um questionário para identificar a qualidade do material que será recebido. “Quem doa começou a perceber que eu tinha uma gestão por trás.”
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“As crianças do interior do país têm limitação geográfica de acesso aos livros”, diz Thiago Silva
Ação trabalha três pilares
Mesmo trabalhando na área social, ele não quer e não quer transformar o projeto em ONG. O mochileiro diz que prefere ser flexível para levantar e chegar aos lugares de forma prática. “Acho que ficaria com aquele dinheiro engessado. Gosto de arrecadar e ser livre. É o perfil do mochileiro”, afirma.
Para ajudar na triagem de dois livros e no desenvolvimento da empresa, ele contou que pessoas da área administrativa e uma professora fizeram a curadoria de dois livros recebidos.
Além da distribuição de livros, durante as visitas escolares, oferece programas de mentoria aos alunos. “Eles estão criando projetos para apresentar aos bancos avaliadores”, diz Thiago.
Na caixa “Boas ideias no têm idade”, crianças e adolescentes podem desenvolver ideias e projetos de inovação em diferentes áreas de impacto social.
O mochileiro também realiza oficinas de leitura para o público carente das cidades. Em alguns lugares já entreguei uma estante literária que simula uma biblioteca móvel com mais de 200 livros, um tablet para administrar ou algumas das obras e materiais para colorir.
Agora, para conseguir recursos e desenvolver o projeto em larga escala, ele vai atrás de empresas e vende exposições. A idéia é fazer com que cada empresa “adote” uma escola pública e repasse uma palavra financeira aos locais visitados.
Desde 2013, Thiago já passou por 79 cidades, 10 Estados e distribuiu 10.650 livros. Sua última passagem foi por São José do Egito e Tabira, ambas em Pernambuco.
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Thiago Silva distribuindo livros na casa de água, em Atalaia (AL)
Histórias que marcarão
Como seu foco é viajar para locais menos favorecidos do Nordeste, Thiago conta que se surpreende toda vez que ajuda uma criança ou conhece uma história de impacto.
Certa vez, na cidade de Irecê, na Bahia, pensei em uma moça que montava uma “casinha” de livros e distribuía cada um deles em locais públicos. A atitude chama a atenção do empreendedor social, pois o projeto foi realizado por uma criança de apenas dez anos. “Ela tem perfil de liderança e tem essa visão de não economizar só para ela”, destaca.
Ainda jovem, hoje com 13 anos, montou 20 casas literárias em três estados do Brasil (Bahia, Pará e Ceará) e conseguiu “guardiões” para limpar as dependências e fiscalizar os livros. A ideia é sempre colar um livro e deixar outro.
Em outra ocasião, no Sertão do Pajeú (Pernambuco), ouvi de uma menina que nunca pensou que uma pessoa como ele visitaria sua escola.
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Thiago Silva ministra palestra na Escola Municipal de Arapiraca (AL)
Além de realizar projetos de impacto social, Thiago tem título de mochileiro ou sério. Em seu canal no YouTube, ele sempre mostra histórias curiosas e atrações turísticas das cidades que visita.
“Gosto de mostrar as curiosidades de um imóvel, da cidade, de uma casa”, diz. E sempre que chega a uma cidade, volta às histórias e pergunta: “Aqui é a terra de quê?”
Ainda apresenta personagens e pessoas que se destacam em determinada região. “Vivo de experiência e educação é isso. Inserir um instrumento novo, mas sem descuidar da cultura. Não se quebra aquele elo das pessoas com a região”, diz.
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Thiago distribuiu livros em creche na periferia de Maceió
O próximo passo é distribuir livros em escolas e ONGs das regiões Norte e Centro-Oeste.
Ele ainda quer formar e capacitar novos mochileiros para realizar um trabalho igual ou dar-lhes acesso a livros para várias cidades do Brasil. Paralelamente, pretende criar uma espécie de portal, para que os jovens encontrem o primeiro emprego e tenham acesso a programas de aceleração de carreira.
Por fim, pretende ter uma sede fixa e uma escola com metodologia própria. “Quero transformar o país e não o que mais lê o mundo.”
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